«Olhe, ainda anteontem me perguntou, sem mais nem menos, se eu me queria suicidar com ele nessa mesma noite, morrer feliz nos seus braços!...
(...)
-Não me conheces?
-Demasiadamente; e por isso mesmo é que desejo saber tudo. Alguma ideia fixa te rói a imaginação; alguma daquelas fantásticas ideias que são só tuas... O teu cérebro anda doente, meu pobre Raul... Precisamos tratar dele, curá-lo...
Passados alguns instantes, num grande desalento, o meu amigo concordou vencido:
-Anda doente o meu cérebro!... Sim... Sim, muito doente... Um sofrimento horrível...
-Vamos, desabafa!
-Sabes donde venho?
-Da reunião duma comissão qualquer...
-Com efeito, devia vir daí... Mas não... Vagueei durante três horas pelas ruas da cidade... a pensar... a pensar...
-A pensar em quê?
Como se não tivesse ouvido, prosseguiu:
-Tu não podes avaliar o tamanho do meu suplício... Não podes... A tua alma não compreende a minha... nem a tua, nem a de ninguém. Tenho horror à vida... meu amigo, tenho horror à vida... Tenho horror à morte; menos horror talvez... mas horror... ignoro... Não posso viver, não posso viver... Não quero morrer... não quero morrer... É horrível... horrível... Que ando a fazer neste mundo? O mesmo que as outras pessoas, bem sei... Ah! mas é justamente isso que me aterra, que me horroriza... Vivo como todos, à espera da velhice, percebes? À espera da morte, compreendes?
Eu não compreendia nada. Ia a interrompê-lo. Ele continuou:
-Hoje sou novo... Marcela é nova... somos belos... Os nossos corpos, esbeltos, flexíveis... Os nossos lábios ardentes; os nosso órgãos, vigorosos... amamos e sabemos que podemos amar... A carne dum deseja a carne do outro; palpitando ao lado dela, esvai-se delirante, arfa morta de prazer... Dos nossos corpos brota a vida... Amamo-nos, somos novos... somos felizes... Mas amanhã?... Amanhã... Terrível! Seremos velhos... A carne amolecida, já não desejará a carne; ou, se a desejar, em vão se esforçará por fremir aos deliciosos contactos. O foco da vida, apagado, não inflamará os sentidos... A alma, que nunca envelhece, que ama sempre, já não saberá nem poderá amar!... Diante dum corpo encarquilhado e frio, eu recordarei esse mesmo corpo quando ele era fogo... mármore... mármore que ardia... Recordarei prazeres estonteantes em horríveis despojos... Morrerei de sede, junto da fonte onde outrora tanta vez bebi a vida a haustos largos... Recordar é morrer... E eu não tenho coragem para morrer desta maneira... Não tenho! Não hei-de morrer assim!... Lembrar-me que cada dia me aproxima dessa hora fatal e não poder... não poder obstar a que os dias passem!... Ah! meu amigo, o meu cérebro está doente... muito doente... Nada o corará!... Se eu pudesse pensar, encarar as coisas como todos as encaram... Mas não posso... não posso... A minha alma é diferente de todas as outras almas!...
-Enlouqueces! - bradei eu, que admirado e aterrorizado, reconhecia o antigo Raul com a sua antiga loucura. - Expulsa esses pensamentos alucinantes... Distrai-te, trabalha, ama a tua linda mulher... Para que te matares com essas ideias que, nota bem, te podem conduzir à loucura?
-Enlouquecer! - murmurou -Suma felicidade! É um remédio... um remédio talvez preferível àquele que eu tinha achado... Porque, sabes, eu já tinha encontrado um remédio para este martírio... Se Marcela pensasse como eu, podíamos ser tão felizes... tão felizes... Morrer nos seus braços... a beijar-lhe a boca... a morder-lhe os seios... Morrer com ela... com os nossos corpos entrelaçados... num êxtase supremo dos sentidos... da alma prestes a evolar-se... Ah! como seria bom... morreríamos romanticamente, numa noite de luar, rodeados de flores... de orquídeas... de rosas... de muitas rosas...
Gostava tanto de morrer assim... tanto... Para morrer só, falta-me a coragem... tenho medo... Mas ela não pensa como eu... ela pensa como todos... Ela gosta da vida... da vida... da vida... da vida!...
E Raul, num grande desvairamento, gritava-me por entre soluços:
-Pede-lhe... pede-lhe que consinta... que me salve desta tortura atroz... que morra comigo...
Pode-lhe! Pede-lhe!
-Cala-te! - ordenei horrorizado. -Tu não sabes o que estás a dizer!... Cala-te! cala-te!... Endoideceste certamente!...
Empurrei-o para diante dum espelho e fiz-lhe ver o seu rosto transtornado, as suas faces rubras gotejantes de suor.
-Contempla a tua fisionomia... Vês? Vês?... tens na tua frente a imagem da loucura... Vamos, sossega... É esse café fortíssimo que te agita o cérebro... Vai-te deitar... Dorme... falaremos amanhã...
-Tens razão - disse em voz baixa e serenando. -Vou dormir. É o melhor que tenho a fazer. Dormir, é a maior felicidade desta vida... Adeus. Vou dormir... dormir muito...
Desapareceu.
Interdito, dirigi-me para a porta da escada. Abri-a e saí. Na rua, o ar, apesar de quente e abafadiçi, deu-me a impressão duma atmosfera puríssima, duma brisa fresca que me afagava... que me deliciava... Porque eu saíra dum pesadelo terrível... a arder... a arder em febre...»
(...)
-Não me conheces?
-Demasiadamente; e por isso mesmo é que desejo saber tudo. Alguma ideia fixa te rói a imaginação; alguma daquelas fantásticas ideias que são só tuas... O teu cérebro anda doente, meu pobre Raul... Precisamos tratar dele, curá-lo...
Passados alguns instantes, num grande desalento, o meu amigo concordou vencido:
-Anda doente o meu cérebro!... Sim... Sim, muito doente... Um sofrimento horrível...
-Vamos, desabafa!
-Sabes donde venho?
-Da reunião duma comissão qualquer...
-Com efeito, devia vir daí... Mas não... Vagueei durante três horas pelas ruas da cidade... a pensar... a pensar...
-A pensar em quê?
Como se não tivesse ouvido, prosseguiu:
-Tu não podes avaliar o tamanho do meu suplício... Não podes... A tua alma não compreende a minha... nem a tua, nem a de ninguém. Tenho horror à vida... meu amigo, tenho horror à vida... Tenho horror à morte; menos horror talvez... mas horror... ignoro... Não posso viver, não posso viver... Não quero morrer... não quero morrer... É horrível... horrível... Que ando a fazer neste mundo? O mesmo que as outras pessoas, bem sei... Ah! mas é justamente isso que me aterra, que me horroriza... Vivo como todos, à espera da velhice, percebes? À espera da morte, compreendes?
Eu não compreendia nada. Ia a interrompê-lo. Ele continuou:
-Hoje sou novo... Marcela é nova... somos belos... Os nossos corpos, esbeltos, flexíveis... Os nossos lábios ardentes; os nosso órgãos, vigorosos... amamos e sabemos que podemos amar... A carne dum deseja a carne do outro; palpitando ao lado dela, esvai-se delirante, arfa morta de prazer... Dos nossos corpos brota a vida... Amamo-nos, somos novos... somos felizes... Mas amanhã?... Amanhã... Terrível! Seremos velhos... A carne amolecida, já não desejará a carne; ou, se a desejar, em vão se esforçará por fremir aos deliciosos contactos. O foco da vida, apagado, não inflamará os sentidos... A alma, que nunca envelhece, que ama sempre, já não saberá nem poderá amar!... Diante dum corpo encarquilhado e frio, eu recordarei esse mesmo corpo quando ele era fogo... mármore... mármore que ardia... Recordarei prazeres estonteantes em horríveis despojos... Morrerei de sede, junto da fonte onde outrora tanta vez bebi a vida a haustos largos... Recordar é morrer... E eu não tenho coragem para morrer desta maneira... Não tenho! Não hei-de morrer assim!... Lembrar-me que cada dia me aproxima dessa hora fatal e não poder... não poder obstar a que os dias passem!... Ah! meu amigo, o meu cérebro está doente... muito doente... Nada o corará!... Se eu pudesse pensar, encarar as coisas como todos as encaram... Mas não posso... não posso... A minha alma é diferente de todas as outras almas!...
-Enlouqueces! - bradei eu, que admirado e aterrorizado, reconhecia o antigo Raul com a sua antiga loucura. - Expulsa esses pensamentos alucinantes... Distrai-te, trabalha, ama a tua linda mulher... Para que te matares com essas ideias que, nota bem, te podem conduzir à loucura?
-Enlouquecer! - murmurou -Suma felicidade! É um remédio... um remédio talvez preferível àquele que eu tinha achado... Porque, sabes, eu já tinha encontrado um remédio para este martírio... Se Marcela pensasse como eu, podíamos ser tão felizes... tão felizes... Morrer nos seus braços... a beijar-lhe a boca... a morder-lhe os seios... Morrer com ela... com os nossos corpos entrelaçados... num êxtase supremo dos sentidos... da alma prestes a evolar-se... Ah! como seria bom... morreríamos romanticamente, numa noite de luar, rodeados de flores... de orquídeas... de rosas... de muitas rosas...
Gostava tanto de morrer assim... tanto... Para morrer só, falta-me a coragem... tenho medo... Mas ela não pensa como eu... ela pensa como todos... Ela gosta da vida... da vida... da vida... da vida!...
E Raul, num grande desvairamento, gritava-me por entre soluços:
-Pede-lhe... pede-lhe que consinta... que me salve desta tortura atroz... que morra comigo...
Pode-lhe! Pede-lhe!
-Cala-te! - ordenei horrorizado. -Tu não sabes o que estás a dizer!... Cala-te! cala-te!... Endoideceste certamente!...
Empurrei-o para diante dum espelho e fiz-lhe ver o seu rosto transtornado, as suas faces rubras gotejantes de suor.
-Contempla a tua fisionomia... Vês? Vês?... tens na tua frente a imagem da loucura... Vamos, sossega... É esse café fortíssimo que te agita o cérebro... Vai-te deitar... Dorme... falaremos amanhã...
-Tens razão - disse em voz baixa e serenando. -Vou dormir. É o melhor que tenho a fazer. Dormir, é a maior felicidade desta vida... Adeus. Vou dormir... dormir muito...
Desapareceu.
Interdito, dirigi-me para a porta da escada. Abri-a e saí. Na rua, o ar, apesar de quente e abafadiçi, deu-me a impressão duma atmosfera puríssima, duma brisa fresca que me afagava... que me deliciava... Porque eu saíra dum pesadelo terrível... a arder... a arder em febre...»
in LOUCURA, de Mário de Sá-Carneiro
24 comments:
suponho que estejas a gostar e ainda nem tenhas dado pela brincadeira de ontem
aleluia o teu cheiro aqui! hurray!
qual brincadeira? a veronika?
é surpresa
ainda bem que estou lavadinho
ps: se calhar nunca daqui saí, tola
da minha órbita saíste, tolo
sou mais cometa com órbita oval por questões de saúde mental, mas nem por isso saio dela
hah take that
dizes tu
não, isso dizes tu
cala-te!
as coisas pra se dizer têm que se sentir primeiro, e quanto a isso já tu não podes fazer nada
se estás a falar de mim desengana-te
afinal não fui eu quem se calou
deves achar que eu tenho a tua vida! ai debes debes! :P
haha touchée
ranhoca
assoa-te, porca
HAHAHA, até parece que sou eu que tenho ataques de espirros e me borro toda com ranho! tristeza marco rafael... tristeza...
shame on you xD
eu devo provocar alergias
o meu osório tb é assim
ainda não deste por nada?
nao... qq me esta a escapar? hum?
ah, nada então
dás uma atenção às coisas que é uma loucura, carago, não curtia ser teu pertence (físico ou não <- e aqui é que está a chave do mistério)
wtf.............
opá, eu já tenho o cérebro morto okay?! não percebo qual é a tua de andares sempre com mistérios...! pobres filhos/netos
bah
olha... hj fui à palhacinha prá escola :D~~~
pois olha que serão muito felizes e nada preguiçosos do CÉREBRO!
pah, se não deste por nada, então também não te digo
hás-de dar por isso sozinha haha
estúpido! :=========
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